quarta-feira, 2 de março de 2011

Eufemismo idiota, preconceito burro

Hoje eu soube que a família de um rapaz que eu e  um amigo prendemos, quer nos processar. Aliás, soube que eles estão fazendo um abaixo-assinado contra nós. O teor desse documento eu desconheço, mas o motivo da insatisfação, pelo que me disseram, é que nós, numa entrevista, dissemos que o preso é traficante! Sinceramente, eu não sabia que não podia contar. Não me disseram que era segredo.

Ora, eu cumpri um mandado de prisão, expedido por um juíz, pela prática de tráfico de drogas, por parte do desfavorecido. Eu não sei que outro nome usar para quem trafica drogas. Não sei se os parentes estão insatisfeitos porque acham que o meliante não é traficante ou se a revolta é por nós termos usado a palavra traficante. Se o motivo for este, aí eu não vou entender mais nada.

Todo dia alguém me chama de policial e, nem por isso, eu estou processando ninguém. Outro dia, fui chamar o rapaz que cuida do jardim e gritei: ô, jardineiro. Ele respondeu numa boa. Esses dias eu chamei um outro de motoqueiro. Ele não ligou. Ele tava pilotando uma moto. Ora, quem anda de moto é motoqueiro. Quem cuida de jardim é jardineiro. Por quê que quem trafica tinha que ser chamado de outra coisa? Queria ser chamado de quê? De drogarista? De pedrista? De vendedor de pirlimpimpim? De Luluzinha da maconha?

Sabe o que é isso? Isso é essa mania de eufemismo que a gente tem. Esse medo de falar as coisas na lata. A gente tem medo de usar as palavras. Medo ou vergonha.

"Preto", por exemplo, se tornou uma palavra pejorativa. Quase um palavrão. Me lembro da bisavó de minha filha contando que quando ela era criança, comeu muito no almoço e comentou: "Nossa, mas eu tô cheia, viu!" Seu pai, homem muito educado, corrigiu: "Cheia não, minha filha. Você está satisfeita". Passados alguns dias, ela ia passando perto do rio, com o pai, depois de um dia de chuva. Ela virou para o pai e comentou: "Nossa, pai, mas esse rio tá satisfeito, né!" Pois é, a gente tá meio assim, hoje em dia, com a palavra "preto" e algumas outras. A gente não sabe mais quando é que pode e quando não pode usar. É sério. Esses dias eu falei que o carro de alguém era todo pretão. Na hora me deu um estalo e eu encolhi os ombros e olhei para os lados pra ver se alguém tinha ouvido essa declaração preconceituosa. É verdade! Quando vou falar de um carro ou qualquer coisa preta, tenho ímpetos de dizer afro-descendente. Ou "negro", que, embora não seja aceito por todos, parece ser menos politicamente incorreto. Pelo menos nos livros de história.

É muito hipócrita isso. Parece que é segredo que o cara é preto. A gente fala entre a gente, mas quando chega um afro-descendente a gente não faz, nunca, menções sobre a cor da pele. Nada de negão, preto, essas coisas. Mas, gente, pelo amor de Deus, vamos deixar de estupidez. Preto é uma definição cromática. Só isso! Só! Não diminui ninguém. Você pode chamar o cara de magrelo, de branquelo, de feioso, de chato, de bicha, mas não pode dizer que ele é preto. Que ele é negro. Não. É afro-descendente. Eufemismo idiota! Burro. Preconceituoso. Então vamos usar isso pra todas as cores, agora. Se o cara ficar vermelho de vergonha, vamos dizer que ele ficou índio-descendente.

Martin Luther King em seu memorabilíssimo discurso, não sonhou com um dia em que deixaria de ser negro. Não sonhou, sequer, com o dia em que os negros passariam a ser chamados de brancos ou amarelos. Ele sonhou com um dia no qual seus quatro pequenos filhos negros, fossem julgados, não pela cor da pele, mas pelo conteúdo do seu caráter. Gente, o problema não é a cor. Muito menos a palavra que define a cor. O problema é a estupidez de alguns facistas, nazistas e outros idiotas que acreditam que existe alguma diferença entre seres humanos.

Outro exemplo é a palavra "favela". Não se pode mais usar a palavra favela. É politicamente incorreta. Hoje, milhões de brasileiros miseráveis vivem em "aglomerados" urbanos! Bacana, né. Aglomerados urbanos! Mas nenhum deles deixou de ser miserável. Nenhum deles passou a receber atenção do Estado. Mas que eles fiquem tranquilos. Moram em aglomerados urbanos. Mudou o nome, mas o esgoto continua correndo a céu aberto. São, agora, uma comunidade. Não são mais favelados. Mas os barracões de zinco ou de tapume ou de lona, continuam pendurados numa encosta tão instável quanto a paz no "aglomerado". Não, meu amigo da comunidade, não se deixe enganar não. Você mora, mesmo, é na favela. Aquele lugar esquecido pelo governo e dominado pelo tráfico. Você mora é na favela, onde todo mundo quer dar uma pisadinha a mais na sua dignidade, já, tão estraçalhada. Seja lá, esse todo mundo, quem for. A polícia, o vereador, o prefeito, o deputado ou o governador. Não cai nessa de aglomerado urbano não, que já existe muita falta de vergonha aglomerada nesse nosso país hipócrita.

E não se engane, amigo. Aquele cara que vicia seu filho e depois ainda usa a sua família como escudo na guerra declarada contra a polícia e contra o mundo, não é Hobin-Hood não. Ele não é o tiozinhho da bala doce não. Não existe outro nome que o qualifique. Ele é um monstro, ele é um canalha, ele é bandido. É traficante, mesmo.

2 comentários:

Paula disse...

"Tem que ter cordão de ouro, anel de diamante, carteira assinada, profissão é traficante, cante cante!" ja escutou o funk do traficante? auahuahuahua
pois é, uma pouca vergonha, dá de vontade de escrever na testa dum cara desse de ferro quente: bandido. :@ manda a família dele vir falar comigo. *as pessoas continuam me chamando de nega* haha

Natália disse...

Então,

vc tá que nem André com os "apelidos" uahuaauha
"drogarita", "vendedor de pirlimpimpim", "Luluzinha da maconha" se superou... kkkkkkk

E no fim, companheiro, cê me lembrou o "Samba da benção": "E não se engane, amigo."