quarta-feira, 11 de maio de 2011

É a vida


Fui inventar de escrever no meu status do facebook: "Eu fico com a pureza da respota das crianças: É a vida. E é bonita, a desgramada!" Aí veio o meu grande amigo Bruno José, um dos caras mais agridoces que eu conheço, e comentou: "cada dia piores as gracinhas." Logo abaixo, minha não menor amiga Nathi, uma das meninas mais gulosas de altas intensidades que eu conheço, comenta: "a gente tem que concordar em discordar." Eu teimei, mas ela arrematou: "Acho ela (a vida) normal, fica bonita só quando tá arrumada."

Pois a minha anda sempre pelada e nunca usou maquiagem. E é linda! Por isso eu discordo e bato o pé: É bonita, é bonita e é bonita.

Só que tem uma coisa: a mulher mais linda do mundo também caga. E se não se lavar vai ficar fedorenta. A mulher mais linda do mundo acorda com os olhos meio sujos, sem maquiagem, os cabelos despenteados e os beiços até inchados de tanto dormir... Mas não deixa de ser bonita não. Isso não muda a fisionomia. Essas coisas deixam sua aparência menos atraente, temporariamente, mas ela ainda é linda. Precisa pentear os cabelos, mas tem cabelos. Precisa lavar o rosto, mas seus olhos continuam azuis, pretos, amarelos ou seja lá que cor tiverem. Continuam expressivos e lindos.

É verdade que existem injustiças. É verdade que existem desgraças. Mas a própria luta dramática do ser humano é prova da beleza da vida. Se existe a pobreza, existe beleza na honradez de quem vive uma vida honesta e feliz apesar de tudo. Se existe desonestidade, existe beleza na atitude de um pai que sai, com o último restinho de salário, para comprar algo com que alimentar a família à noite, sem saber o que será do dia de amanhã, mas devolve o pouco a mais que lhe deu de troco, por engano, o caixa do supermercado.

Um amigo meu, uma das pessoas de felicidade mais simples de que se tem notícia nessa terra disse uma vez, referindo-se às crianças da roça, que às vezes correm para abrir uma porteira, na esperança de ganhar uma moedinha, enquanto olham pra gente com aqueles olhinhos arregalados de esperança: “O trem que eu acho mais bonitinho são esses menininho feinho!” E é isso mesmo: quanta beleza há na esperança de ganhar uma moeda, um pacote de biscoito ou um brinquedo, por merecimento! Por uma boa ação prestada. Mas eles nem sempre ganham. Na maioria das vezes não ganham nada. Mas nunca deixam de correr pra abrir a porteira assim que ouvem o barulho de um carro. Nunca deixam de desejar. De acreditar. A melhor parte é correr pra abrir a porteira, pois eles correm com alegria de uma possibilidade. E a vida é isso: a alegria de todas as possibilidades. De todas as esperanças.

Lembro-me agora de dois poemas, um de Ferreira Gullar e outro de Cassiano Ricardo, em que eles dizem mais ou menos que se eles morrerem o mundo morre também. Morre porque, deixando eles de existir, cessam-se as experiências que eles têm com o mundo. E o mundo só pode existir mediante a representação que a gente faz dele através dos sentidos. O mundo é feito das cores que eu vejo, dos perfumes que eu sinto, das músicas e dos sons que eu escuto, dos sabores que eu experimento e da textura das peles que eu toco. 

Sim, há muita coisa errada. Eu lido com desgraças todos os dias. Eu vejo muita coisa feia por aí. Muita coisa fora de lugar. Mas a vida, eu só tenho a minha. E os meus olhos para apreciá-la. Cabe a mim dizer se ela é feia ou bonita.

Falei sobre a luta diária do ser humano e me ocorre agora o drama maior: a luta invencível, da vida contra a morte. Somos inevitavelmente mortais e isso não me torna alegre. Mas ainda assim vale a pena lutar, vale a pena gostar, vale a pena ser feliz. Vale a pena ser apaixonado. Por tudo e por todos. A gente sempre vai sentir a falta de alguém que se foi. A gente sempre vai chorar por alguém que se vai. Mas se a gente sente a falta é porque foi muito bom conviver com quem se foi. Se a gente chora é porque o mundo não será o mesmo sem a pessoa que se vai. A própria falta que essas pessoas fazem é prova de que a vida é linda. Porque a vida só é vida se convivida.

Eu amo muitas pessoas. E todas são mortais. Todas morrerão um dia. Mas se Deus me perguntasse se eu gostaria de ter tido outra mãe ou outro pai, por exemplo, tão bons quanto os meus, mas imortais, eu responderia prontamente que não. Eu quero mãe, eu quero pai. Só mãe sabe ser minha mãe como ela. Só pai sabe ser meu pai como ele. E é a eles que eu amo. Não queria outra filha imortal. Não. Quero a minha. Só ela me chamava de “papai-te”, até hoje não sei porquê. Talvez na cabecinha dela eu parecesse um “papai-te”, seja lá isso o que for. São algumas das pessoas que eu amo. A vida é linda com eles, mesmo mortais.

Eu reclamo e resmungo todos os dias por muitos motivos. Detesto certas coisas. Acho outras um absurdo. Quero mudar vários sistemas. Queria que muito do que existe fosse diferente. E sou assim, justamente, porque amo a vida e não quero vê-la avacalhada. Amor não é sentimento bobo que sofre calado não. Amor é mais que um princípio e uma postura. O sujeito que acha que tudo é isso mesmo, não adianta que a vida é assim, não ama. Tolera a vida. A briga também nasce da paixão. A raiva que certas cafajestices nos despertam é uma paixão. Paixão de que eu preciso para viver.

Sim, às vezes minha vida acorda parecendo uma bruxa. Com os olhos colados de remela e os cabelos parecendo os da medusa. Tenho que penteá-la todos os dias. Lavar o rosto, enfim, fazer muita higiene. Mas ela é linda. Proporciona-me os mais maravilhosos encontros. As mais esfuziantes experiências. E são todas com outras vidas. E eu não posso dizer, senão, que a vida é bonita.

Acaba de me ocorrer outro trecho da música de Gonzaguinha que deu motivo a essa discussão. Ela resume bem tudo o que eu disse em pouquíssimas palavras: “Eu sei que a vida devia ser bem melhor... e será. Mas isso não impede que eu repita: É bonita, é bonita e é bonita.”

4 comentários:

Julio Cesar Chain disse...

muito bom o texto! e é isso mesmo, só quem já viu a parte mais feia da vida(ou pelo menos acha que já viu), consegue enxerga o quão bonita ela é na verdade!

Paula disse...

Sim, apaixonado por tudo e por todos. Porque não há sentido nenhum em viver sem paixão. Paixão por sonhar, por chorar, por encontrar alguem querido, por seus amigos, por chegar em casa ou paixão por um daqueles momentos mágicos, em que você se percebe vivo e estranhamente feliz, seja por uma brisa deliciosa, por um dia de sol, por uma palavra de carinho ou por tirar os sapatos ao chegar em casa. E como é bom viver cercado por pessoas apaixonadas! Mãe mesmo, as vezes me mata de raiva com aquela alegria sem fundamento dela, mas dai um pokim eu já to morrendo de rir quando ela diz "Vem ver que beija-flor bonitinho|". E é assim que é. Estamos em greve e eu vou ali trabalhar um pouquinho. Eita vida! hahaha

ps: Claro que o texto ta perfeito. Mas eu ainda to esperando a resenha de Campos Gerais.

nathi disse...

olha, pra me fazer chorar antes de ir pro expediente tem que ter talento viu?

minha intenção ao fazer aqueles comentários nem foi gerar uma discussão nem nada, mas ainda bem que gerou. Você fez um dos textos mais lindos e que mais se aproxima do que eu precisava ler/ouvir nas últimas semanas.

Quando eu penso que uma das pessoas que eu mais amo na vida, me deixou há poucos dias eu tenho muita vontade de chorar. Não só vontade, como choro. Choro todos os dias. Mas aí eu abro meu álbum de fotografias e vejo que ela estava presente nos momentos mais importantes e quando eu mais precisei. Aí eu lembro que pôxa, ela era tão alegre! Com TANTA vontade de viver, brincava até quando tava na cama de um hospital. Dizia com tanta certeza que Deus tinha muitas coisas boas pra ela ainda que era difícil não acreditar. E poder sentir essa saudade, esse amor, poder ter tido a oportunidade de passar 21 anos da minha vida com ela é uma dádiva. Eu não tinha parado pra pensar por esse lado, até hoje. Depois de ler o que você escreveu e de um outro texto que li ontem a noite eu percebi que é isso mesmo. A saudade se mede em amor. Devemos sofrer sim e chorar por quem se foi, mas devemos também dizer "eu vivi". E viver é isso mesmo. Chorar e sofrer de saudades por quem se foi, apaixonar-se todos os dias, sentir raiva daquilo que é absurdo e deitar a cabeça no travesseiro a noite e pensar naquela que apesar da remela no olho e do cabelo bagunçado é bonita demais.

PS1: Amei o "uma das meninas mais gulosas de altas intensidades que eu conheço".

PS2: Você escreveu cafajestagem certo! \o/\o/

Beijo Ricks.

nathi disse...

os comentários voltaram!!!! YAYYYY \o/\o/