A morte é uma experiência pela qual só passam os vivos . Os mortos não . Eles morrem e pronto . Acabam. Para o morto a morte não é experiência , é o fim , simplesmente . Quem fica, no entanto , estará para sempre , marcado por ela .
Por isso , para nós , os vivos , a morte não é o fim . É, antes , um começo . Sim : a cada morte é preciso recomeçar . Com o que nos sobrou nas mãos . Com o que nos resta e mais o que ela , a morte de alguém, nos acrescentou.
Soumuito impressinoável. Cemitérios , por exemplo , me comovem bastante . Nomes e datas , vidas interrompidas, fotos antigas. Como viveram, amaram, sorriram, choraram? O mistério invencível da morte nos acompanhará sempre .
Foium amigo , com seu jeito ingênuo de ser sábio , quem me despertou esse comover , uma vez , diante da morte de um conhecido . Ele , inconsolável , dizia: “Como pode? Como é que ele não está ali , se eu o estou vendo? Como é que ele está ali e, ao mesmo tempo , não está mais em lugar nenhum ?” Sim , a morte deixa o corpo inútil , mas não é só isso . Deixa em nós , os vivos , sentimentos de inutilidade , uma falta de sentido !
Um dia desses eu estava na casa de outro amigo , braços cruzados , circunspecto , a observar as roupas estendidas no varal . Ele chegou a me perguntar se eu as estava vigiando, para que não fugissem, mas não , eu não as estava vigiando. Buscava nelas seu sentido de ser . Sua utilidade , sua vida . Roupas lavadas me sugerem uma nostalgia , como se o passado , falasse por elas , e dissesse que não adianta, que a vida é ridícula , mas que eu não me incomode, que é isso mesmo !
Foi umatarde de Hamlet! Onde está a elegância , o movimento , a beleza dessas roupas sem um corpo a vestí-las, a preenchê-las, a dar-lhes sentido ?
Roupas de festa , sem uso , me dizem da frivolidade que foi vestí-las. Lavadas, elas serão engavetadas à espera de outra ocasião especial que terminará nos deixando no mesmo lugar . Fim de festa , mulheres com a maquiagem borrada, roupas amarrotadas, esperam o apagar das luzes para se retirar , tão incompletas como sempre foram. Só a roupa é que , impertinente , guardará o segredo : é isso mesmo , a vida é ridícula .
Mas como é bom viver!
Por isso , se me perguntam: não , não tenho medo da morte . Tenho é saudade da vida .
Por
Sou
Foi
Um
Foi uma
Mas como é bom viver!
2 comentários:
Incrível, dentre tantas outras, essa é a melhor palavra que encontrei para definir o seu texto.
sim ... a vida é boa ! Ainda mais quando temos o privilégio de desfrutar de um conhecimento tão apreciável como o seu.
A morte não acrescenta nada a ninguém. Nada de bom, pelo menos. E ela marca, pra sempre. É uma dor que não dá pra pensar e acredito que vivê-la é a pior experiência do mundo. E quando você sente que ela tá rondando as pessoas que você ama é assustador. E isso tudo acontece porque ninguém ensinou a gente que tudo um dia acaba. Você só aprende sobre a morte quando ela resolve aparecer por perto. Você sabe que as pessoas morrem, mas até acontecer com alguém próximo você não percebe que ela é uma realidade. E aprender vivendo dói.
Sr. "dono-de-um-conhecimento-tão-apreciável", engraçado você falar de roupas lavadas estendidas no varal. Eu nunca penso no que foi. Eu sempre penso no que poderia ter sido.
Postar um comentário