sexta-feira, 2 de outubro de 2009

A vida é... sim, a vida é boa.


A morte é uma experiência pela qual passam os vivos. Os mortos não. Eles morrem e pronto. Acabam. Para o morto a morte não é experiência, é o fim, simplesmente. Quem fica, no entanto, estará para sempre, marcado por ela.

Por
isso, para nós, os vivos, a morte não é o fim. É, antes, um começo. Sim: a cada morte é preciso recomeçar. Com o que nos sobrou nas mãos. Com o que nos resta e mais o que ela, a morte de alguém, nos acrescentou.

Sou muito impressinoável. Cemitérios, por exemplo, me comovem bastante. Nomes e datas, vidas interrompidas, fotos antigas. Como viveram, amaram, sorriram, choraram? O mistério invencível da morte nos acompanhará sempre.

Foi um amigo, com seu jeito ingênuo de ser sábio, quem me despertou esse comover, uma vez, diante da morte de um conhecido. Ele, inconsolável, dizia: “Como pode? Como é que ele não está ali, se eu o estou vendo? Como é que ele está ali e, ao mesmo tempo, não está mais em lugar nenhum?” Sim, a morte deixa o corpo inútil, mas não é isso. Deixa em nós, os vivos, sentimentos de inutilidade, uma falta de sentido!

Um
dia desses eu estava na casa de outro amigo, braços cruzados, circunspecto, a observar as roupas estendidas no varal. Ele chegou a me perguntar se eu as estava vigiando, para que não fugissem, mas não, eu não as estava vigiando. Buscava nelas seu sentido de ser. Sua utilidade, sua vida. Roupas lavadas me sugerem uma nostalgia, como se o passado, falasse por elas, e dissesse que não adianta, que a vida é ridícula, mas que eu não me incomode, que é isso mesmo!

Foi uma tarde de Hamlet! Onde está a elegância, o movimento, a beleza dessas roupas sem um corpo a vestí-las, a preenchê-las, a dar-lhes sentido? 

Roupas de festa, sem uso, me dizem da frivolidade que foi vestí-las. Lavadas, elas serão engavetadas à espera de outra ocasião especial que terminará nos deixando no mesmo lugar. Fim de festa, mulheres com a maquiagem borrada, roupas amarrotadas, esperam o apagar das luzes para se retirar, tão incompletas como sempre foram. a roupa é que, impertinente, guardará o segredo: é isso mesmo, a vida é ridícula.

Mas como é bom viver!

Por isso, se me perguntam: não, não tenho medo da morte. Tenho é saudade da vida.

2 comentários:

Vivi Ramalho disse...

Incrível, dentre tantas outras, essa é a melhor palavra que encontrei para definir o seu texto.
sim ... a vida é boa ! Ainda mais quando temos o privilégio de desfrutar de um conhecimento tão apreciável como o seu.

nathi disse...

A morte não acrescenta nada a ninguém. Nada de bom, pelo menos. E ela marca, pra sempre. É uma dor que não dá pra pensar e acredito que vivê-la é a pior experiência do mundo. E quando você sente que ela tá rondando as pessoas que você ama é assustador. E isso tudo acontece porque ninguém ensinou a gente que tudo um dia acaba. Você só aprende sobre a morte quando ela resolve aparecer por perto. Você sabe que as pessoas morrem, mas até acontecer com alguém próximo você não percebe que ela é uma realidade. E aprender vivendo dói.
Sr. "dono-de-um-conhecimento-tão-apreciável", engraçado você falar de roupas lavadas estendidas no varal. Eu nunca penso no que foi. Eu sempre penso no que poderia ter sido.