quinta-feira, 30 de outubro de 2014

As discussões não podem parar

Como sempre, na época das eleições nos tornamos todos especialistas em história e política. Mais do que isto, nos tornamos especialistas em psicologia, economia, futurologia, chutometria e outras ias. Mesmo com a presidente reeleita, os comentários e discussões não cessam. Estamos todos sensibilíssimos. Não podemos ouvir alguém falando em Dilma Roussef ou Aécio Neves que saímos correndo, babando, pra refutar com um argumento frouxo, uma opinião, por sua vez, baseada unicamente na própria falta de conhecimento. Desta maneira, começa-se a justificar a fraqueza de um com a incapacidade do outro, a feiura do outro com a antipatia do um e assim por diante.

Já faz muito tempo que não vemos uma campanha política com propostas, no Brasil. A última, entretanto, foi um caso à parte. Se alguém tentasse apresentar alguma coisa de concreta, era logo atacado de todos os lados, geralmente com argumentos que nem sequer vinham ao caso. Esta foi a campanha do baixo nível, e este foi o pior legado deixado: o de baixar o nível da nação por inteiro. Ninguém quis saber de propostas positivas. Só as negativas tiveram vez. Não houve oportunidade de se apresentar o que podia ser feito, mas se alardeou o que se poderia deixar de fazer, como se o Brasil fosse um país exemplar, onde tudo está funcionando belissimamente e o grande risco seria que o outro acabasse "desandando" a receita, como quem diz: "em time que está ganhando não se mexe". Mas o problema é que, como a seleção canarinho, o time não está ganhando.

Agora, voto digitado, presidente reeleita, estão todos cansadinhos de discussões. Cansados porque, após tanto falatório besta e de baixo nível, ninguém mudou de lugar. Ninguém reviu seus raciocínios e conceitos. Todos discutiram com o fim último de vencer uma discussão. E isto porque as decisões foram tomadas na base da simpatia e não da competência. Não foram poucas vezes que ouvi alguém dizer: "Vou votar neste porque não vou com a cara daquele." 

Agora os sensíveis, cansados, começam a reclamar, nas redes sociais, que não querem mais brincar. Estão ofendidos por acreditarem que quem reclama da derrota não aceita a democracia, como se democracia fosse exatamente o oposto do que é. Como se democracia fosse a obrigação de calar a boca e pensar conforme o sistema determine. Não, democracia não é isto. Democracia é ter resguardado o direito de cada um espernear e de gritar lá na frente: "eu não te disse?".

Mas as discussões são consequência natural de um país dividido. Metade do país escolheu um candidato e a outra metade escolheu outro. Fora os militantes, a grande maioria do eleitorado fez a sua escolha com muita reserva. E não me venham dizer que três milhões de votos são muita coisa, porque não são. A variação de intenções de votos observada desde o início desta campanha eleitoral demonstra que ninguém que disputou essa eleição tem eleitorado cativo. Os números oscilaram do começo até o fim extremo da disputa e não é por causa do fim do pleito que essa oscilação tenha deixado de ocorrer. Ainda há pessoas que votaram num candidato, após mudar algumas vezes de opinião e se arrependeram de tê-lo feito. E isso ainda durará algum tempo. Dentro dessa oscilação, os três milhões de vantagem desaparecem como passe de mágica.

O mais grave, entretanto, não é o fim da paciência dos eleitores Facebookeiros, mas o que, de fato, motivava suas discussões. Funcionários públicos reclamavam um salário maior ao mesmo tempo que desejavam um Estado menos oneroso. Pais que reclamaram da educação, se sentiram satisfeitos ao ouvirem que seus filhos teriam aulas em tempo integral e seria enterrado mais dinheiro no sistema educacional. Ou seja, se a educação é ruim, seu filho ficará mais tempo recebendo essa educação ruim e serão gastos mais alguns bilhões de reais e serão construídos mais prédios para a disseminação dessa mesma embromação. Pronto. Esse pai, satisfeito, acaba de se tornar um defensor do candidato que propôs esta maravilha e não aceita mais qualquer argumento contrário.

Uma professora, repito, uma professora!, criticou a correção de linguagem e a ordem de raciocínio do candidato Aécio Neves, dizendo que aquilo era arrogância e que ele era cínico porque não se continha diante dos desencontros e atropelos lógicos e linguísticos da presidente! Veja a que ponto chegamos! Ter senso de ridículo, falar um português minimamente correto e ter capacidade de ordenar seu pensamento numa frase razoavelmente estruturada, agora, é artigo não só desnecessário, mas indesejável! É, mais do que isto, símbolo da arrogância das elites! Chegamos ao tempo em que o mérito consiste, mesmo, em não ter méritos! Sim, hoje em dia é bacana chegar no topo sem ter tido nenhuma capacidade. Ou seja, esta é a era do ludibrio! A era do engodo, da embromação e da patifaria.

Eu não sou e nunca fui eleitor do PSDB. Há, inclusive, críticas minhas a esse partido publicadas em alguns textos deste blog. Entretanto, a atual situação pediu uma tomada de posição clara e objetiva. Votei em Aécio Neves e defendo meu voto. A coisa chegou num ponto em que a própria sensação esquisita de mal estar parece já fazer parte da nossa natureza inata, de brasileiro. A gente já tem agido como se o PT fosse um defeito de nascença do Brasil e com o qual nosso país deve morrer, mas esta não é a verdade. Nunca foi e não precisa vir a ser. Precisamos nos livrar dessa patologia. Tudo bem, não foi desta vez, mas as discussões precisam continuar.

Provamos que as discussões precisam continuar quando constatamos que estamos tão anestesiados pela superexposição à imoralidade que chegamos num ponto em que a moralidade não impressiona mais. Um roubo é justificado pela máxima de que todo mundo rouba. A corrupção não é mais crime, é método de trabalho a ser usado ou não. Uma mera questão de escolha. E o horror de uma prática ilícita é anulado pela simples menção de que o outro faz isto ou aquilo em sua vida particular.

Sim, nosso problema moral é grave. Neste mesmo ano, na mesma Belo Horizonte onde a nossa festejada seleção levou uma goleada de 7x1 da Alemanha, um viaduto em construção despencou sobre um ônibus e alguns carros, matando duas pessoas e ferindo outras tantas. Mas a tragédia, até hoje comentada e lamentada foi a derrota em campo. As vidas perdidas não interessam. A ineficácia social e administrativa não interessa. Vergonha foi só o fiasco esportivo. Safadeza e esculhambação não nos envergonham mais.

O Brasil é um país cheio de defeitos e um dos piores é que no lugar do zelo pela verdade, está o orgulho das opiniões e preferências. A verdade não interessa. A honestidade não interessa. Interessa o que eu penso e o que eu prefiro. Por isso, meus amigos, as discussões no Facebook não vão terminar. Pelo bem do Brasil elas não podem terminar. Ao menos, não tão cedo, sabe por quê? Porque se para cada cabeça há uma opinião e para cada opinião um defensor renhido, deve haver, também, alguém a incomodar essa opinião como uma voz contínua e lhe fazer as vezes da consciência já perdida.

Nós somos, sim, um país sem caráter. Só num país assim uma goleada pode ser mais trágica  do que a perda de vidas humanas. Só num país assim um campeonato de futebol pode ser mais importante do que a ineficácia e a bandidagem política e administrativa. Só num país assim o cidadão não precisa saber de nada, contanto que tenha, firme, a sua opinião e que esta não seja desestabilizada por fatos, porque... isso cansa.

5 comentários:

Rafael L. Costa disse...

Eu estava pensando exatamente isso ontem, que as discussões não podem (e não devem) parar. Quando eu vejo alguém falando que cansou, que acabou, que já passou, dá a entender que essa pessoa não estava discutindo o futuro político do país mas simplesmente seus gostos e opiniões. A discussão não vai acabar porque o problema ainda existe. Eu não estou discutindo pra dizer que um partido é melhor que outro, eu estou discutindo porque estou insatisfeito com a corrupção descarada, com a alta inflação, com a perda de investimentos, enfim, com a péssima administração do governo atual.

Unknown disse...

Teste

Unknown disse...

Parabéns pela iniciativa, Rico.

Unknown disse...

Com muita propriedade disse alguém: "O Brasil foi constituído a partir de uma fraca noção de identidade pública e sob a batuta de interesses privados muito fortes. É um estado forte demais para conceder favores e fraco demais para estabelecer os limites entre o público e o privado." Creio que o caos político que o país vive é consequência de um povo (me perdoem as exceções) com uma língua mais veloz que o cérebro e com uma memória com dificuldade de retenção a longo prazo. O país só poderá mudar quando o povo mudar. O político só respeitará a um povo que se faça respeitar. O Brasil precisa deixar de ser um país de incoerências; um país que elege palhaços e que depois se mostra surpreso com ss palhaçadas praticadas no Congresso. Um país que sai às ruas quebrando e incendiando por aumento de 20 centavos no preço do transporte público mas que, dias depois, superlota os estádios pagando entre R$500.00 a R$1.000,00 para assistir a uma partida de futebol, mesmo sabendo que sequer os impostos daquele valor seriam deixados para ajudar na melhoria das condições de vida do país. Onde foi parar toda aquela "brasilidade", toda aquela indignação com os "centavos" de poucas semanas atrás?... Que país é esse que "penera um mosquito e engole um camelo?" É necessário haver uma mudança de mentalidade do povo brasileiro, uma inversão na "pirâmide" do senso de valores desse povo. Felizmente, blogs como esse surgem como fonte de informação e uma ferramenta de conscientização. Daí advém a esperança de um Brasil diferente; um Brasil melhor. Afinal,: "Informação é poder". Aproveito para aplaudir a iniciativa e estimular a continuidade do mesmo.

Helio Bandeira disse...

Alguem falou que o brasil nao e um pais serio... e ate agora essa frase nao caiu por terra.