segunda-feira, 2 de abril de 2012

Vidro quebrado



Acabo de ler no mural do Facebook de uma menina, a seguinte pérola de sabedoria: "Relacionamentos são como o vidro. Às vezes é melhor deixá-lo quebrado do que se machucar tentando consertá-lo." Logo abaixo outra menina comentou: “Fato”. Então eu fiquei pensando: Mas que coisa profunda! Mas que prova de maturidade! E, em seguida, a esse arrebatamento de ironia, tive ímpetos irados de desconsolo diante da boçalidade da juventude atual, tão vazia de valores e tão cheia de si mesma.

Esse é o tipo de sabedoria cretina que se encontra nos livros de Paulo Coelho e que tem acometido os “intelectuais” de encomenda. Sabedoria de adolescente irresponsável. Sabedoria ao estilo Legião Urbana. Sabedoria que cria uma imagem e vive dessa imagem, mesmo que ela não tenha conteúdo ou o que é pior, que ela tenha um conteúdo imbecil e desmoralizante. E como isso é grave!

Tenho me perguntado sempre: o que aconteceu com a família? O que aconteceu com o casamento? O que aconteceu com os namoros ou até mesmo com as amizades? Será que essas são instituições falidas? Será que tudo isso foi uma balela criada para domesticar o homem? Será que esses valores, que serviram durante tanto tempo para fazer florescer o que de mais humano existe em nós, hoje em dia já não servem mais pra nada? Vamos pensar um pouco e analisar os fatos. É uma coincidência enorme que, uma vez derrubados esses princípios, a humanidade tenha se embrenhado de forma tão desesperadora num niilismo estupefaciente. A humanidade, hoje, anda sem rumo pra lá e pra cá numa correria sem sentido. Não sabe para onde vai, mas sente que não pode parar. E está claro. Todo o sentido foi minado pela indolente sabedoria de conveniência.

Sim, tudo aquilo que dependa de relacionamentos perdeu a capacidade de nos tornar melhores. Não nos preocupamos mais em investir o melhor de nós nesses relacionamentos. Não queremos ser melhores em prol dos relacionamentos. Esperamos, isto sim, que os nossos relacionamentos nos presenteiem com os maiores prazeres que o mundo pode oferecer. Com uma vida linda e prazerosa, caída do céu.

Ah, mas que coisa! Eu fico, mesmo, admirado. Então, segundo essa mais nova sabedoria, é melhor deixar nossos relacionamentos quebrados, fingindo-se de vidraças, quando na verdade, eles não passam de um amontoado de cacos de vida. Sim, segundo a nossa juventude, é melhor, que seja assim, porque a gente pode se ferir, se tentar consertar e, é claro, ninguém quer se machucar. Então vamos vivendo assim mesmo, com nossa vidraças quebradas. Deixa assim mesmo. Até porque, se a gente conseguir consertar, um dia ela acaba se quebrando de novo, pois a vida tem dessas coisas, ela quebra as vidraças da gente.

Na verdade, amigo, o problema é o seguinte: a vida não quebra nossas vidraças. Somos nós que as quebramos ou, no mínimo não cuidamos para que elas não se quebrem. A vida é apenas a oportunidade que Deus nos deu de cuidarmos bem das nossas vitrines. Somos nós que a construímos, dia após dia, com nossas atitudes. Nossa sociedade irresponsável, hedonista, viciada em prazer e bem estar, entretanto, não admite que a vida seja uma responsabilidade pessoal. Não admite que a vida é uma questão de atos e não de fatos. A vida não é algo que acontece fora da gente e que implica, na maioria das vezes em injustiças contra nós. Não. A vida é tudo aquilo que a gente faz ou deixa de fazer. A maioria das pessoas se sente injustiçada pela vida, e não assume que quem viveu de forma esculhambada foram elas mesmas e, assim, nada mais podem fazer, senão se lamentar.

É verdade. Consertar vidro quebrado é algo complicado que pode nos causar alguns cortes e arranhões. Mas veja bem como são as coisas: ninguém deixa uma vidraça quebrada, seja numa vitrine ou na janela de casa. Mas quando a imagem dessa vidraça pode ser usada para justificar um comportamento irresponsável, ela é usada da forma mais inconsequente.

Entre ter uma vidraça quebrada ou não ter vidraça nenhuma, eu opto pela segunda. Uma vidraça quebrada é a coisa mais perigosa que pode haver. Ela pode se desfazer em cacos de repente e, aí sim, causar danos devastadores. Machucam-se todas as pessoas que se encontram próximo. E as feridas são incomparavelmente mais graves.

Da mesma forma, minha querida amiga do vidro quebrado, pense bem: se você não quer consertar o seu relacionamento, não tenha relacionamento nenhum, porque, de fato, você pode mesmo, se machucar, tentando consertar as rachaduras desses relacionamentos, mas depois as cicatrizes vão te mostrar que você venceu e hoje seu relacionamento é uma coisa transparente e segura, do qual você pode cuidar, mantendo limpo e intacto, como o vidro. Não, prefira não ter relacionamento nenhum, pois, caso você decida não arriscar e acabe deixando o seu relacionamento rachado, terá sempre, no próprio relacionamento, a prova pública do fracasso e da ilusão que é a vitrine da sua vida.

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