sábado, 8 de janeiro de 2011

É tão inconveniente ser inconveniente!

Dizem que a prática leva à perfeição. Isso é uma balela sem tamanho. Quanto mais tenho vivido a vida prática, de todo dia, mais tenho me aperfeiçoado na arte de ser imperfeito. Mais tenho metido os pés pelas mãos e o nariz onde não sou chamado.

Tenho um ideal de comportamento que sei que nunca vou alcançar. Aliás, a função do ideal é exatamente essa: ser ideal. Se for alcançado não é mais ideal e acabou-se. Então, assim sendo, até que vou indo bem. Afastando-me cada dia mais do meu ideal. Que ele não se preocupe, pois restará intacto no fim dos meus dias.

Mas eu reparei uma coisa. Quando aprendo uma música nova no piano, sou quase capaz de recitar as notas todas de memória. Quanto mais o tempo vai se passando e vou tocando essa música, mais defeitos vou adquirindo em sua execução. É que vou tomando confiança, vou me desleixando, vou esquecendo a partitura e baseando-me na memória muscular, que habituou-se àqueles movimentos. A música deixa de ser do autor e passa a ser uma miscelânea avacalhada sem ritmo e sem lógica do que meus dedos acham que deve ser.

Assim tenho agido em minha vida pessoal. E creio que muita gente age assim também. A gente se esquece como é que se convive e vai convivendo assim mesmo, numa espécie de piloto automático. A gente começa a conversar e, quando vê, já está ofendendo, xingando, falando alto, gritando e, imediatamente se arrependendo. Há uma diferença do que vai dentro de nós e do que conseguimos expressar.

Há poucos dias me disseram que eu escrevendo sou muito diferente de mim "sendo". E eu concordo. Escrevendo sou o eu ideal. O eu que tem tempo de medir as palavras e se arrepender de ofender antes de ofender.

Eu me senti um pouco mal, ao ouvir isso. Me senti mal porque reconheci que, de fato é isso mesmo. Mas, pensando bem, quem não é assim? Infelizmente a gente vai vivendo como anda de bicicleta: através de uma memória que torna os movimentos e atitudes automáticos. Como robôs programados, ofendemos não porque queremos ofender, mas porque, como ao andar de bicicleta, não podemos parar, senão caímos. Vamos de qualquer jeito, esbarrando, hora em uns, hora em outros, mas continuamos de pé. Firmes em nossas bicicletas sociais.

Descobri, no entanto, que a vida é uma música mesmo. Uma música executada por diversos instrumentos. Cabe a nós manter sempre afinados os nossos instrumentos e acompanhar a partitura. Há solos maravilhosos. Mas há momentos em que a harmonia soa melhor.

Sabe quando você vai dar um beijo, com tanta usura e vontade que acaba dando uma dentada na boca da outra pessoa? Pois é. Descobri que é mais ou menos isso o que acontece quando a gente ofende ou machuca alguém. É por querer tanto estar junto, falando, ouvindo e convivendo, que acaba errando a mão. Eu amo as pessoas. Amo conviver. Sinto falta das pessoas, às vezes, mesmo que elas estejam comigo. As coisas são necessárias, mas as pessoas são fundamentais.

Acabo de me lembrar de um trecho da oração de São Francisco. Aquele em que se diz: "é perdoando que se é perdoado". Tá errado isso. É errando que se é perdoado. Eu estou fazendo a minha parte.

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