quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Fingimento


Eu sou terrivelmente fatalista. Não é pessimismo, mas é uma grande desesperança. As coisas ruins acontecem, não tem jeito, ninguém está livre. É preciso sofrer, mas não é preciso viver o sofrimento e nem viver "do" sofrimento. O grande problema é que o pior tipo de sofrimento é causado por pessoas queridas. Mas é preciso entender: ninguém é perfeito, todos erramos; todos temos segredos horríveis, coisas que teríamos vergonha de confessar até a nós mesmos. Todos sofremos e fazemos sofrer. A questão não é que "NINGUÉM" é perfeito, mas que "TODO MUNDO" é imperfeito. E se a gente não faz besteiras ou coisas terríveis, é por puro fingimento. Eu sou fingido, você é fingido, todos somos fingidos. E precisamos ser assim. Fingimos pra nós mesmos, até.

Imaginemos uma mulher vestida para uma festa, toda maquiada, com um esplhafatoso vestido preto cheio de guere-guere. O cabelo em coque, cheio daqueles brilhinhos. Radiante. Alvo de todos os olhares... Agora imaginemos essa mulher, assim vestida, cagando. Aquele vestido é puro fingimento. Lá dentro tem um corpo nu, talvez até com algumas micoses na virilha. Um corpo que sente dor de barriga. A vida é assim, ridícula. A vida é essa festa em que todos esses radiantes participantes, por baixo desses vestidos chiques são uns cagões, mas fingem que não.

Pensemos no palhaço. Tem a obrigação de ser feliz, fazer os outros felizes, mas quando está só, no camarim, chora, pensa em mulher, tem ódio do dono do circo, contas vencidas, mas diante dos outros precisa ser um palhaço. O homem é um artista mambembe. O homem é muito complexo.

Ninguém compreende a própria consciência, quem dirá o subconsciente, que é onde moram as paixões! E são as paixões que nos levam a cometer os maiores erros e acertos.

É preciso ter consciência da condição do homem. Ele é vítima inocente de si mesmo. Briga, chora, ri. Nunca alcança o destino mas nunca desiste da caminhada. E andar é estar sempre adiando uma queda.
 
Ah, a festa, as roupas, o encontro... a vida. A gente sofre por uma perda ou uma traição. Parece que a festa acabou, mas não. Não acabou ainda não. O vestido era necessário, mas o que importa realmente é o corpo. E ele sempre vai ter um problema, seja uma unha encravada, seja uma dor de coluna.

Mas há pessoas que vivem apenas das aparências. E não se incomodam se suas atitudes ferem ou não. Vivem da beleza do vestido. Mas um dia a festa acaba realmente e essas pessoas, sem ter pra onde ir, vão pra rua, de madrugada. E o vestido vai servir pra quê, quando não tiver ninguém pra ver? Sentam-se sozinhas, no banco da praça. Então percebem que o vestido feito praquela festa não mudou o corpo doente. Aquela roupa agora é ridícula. Não há ninguém pra admirá-lo naquela praça deserta. Não tem função.

Todos temos corpos doentes e não adianta querer que seja diferente. Não vai ser. O vestido só esconde as mazelas, mas elas continuam existindo. Às vezes descobrimos nossos heróis sem a roupa bonita das convenções sociais. Descobrimos seu corpo doente. Mas aquele corpo doente sempre existiu, é como o meu, é como o teu. Também tem unhas encravadas e não era fácil manter essas unhas doentes naqueles sapatos apertados. Às vezes não é possível esperar que o couro dos sapatos cedam, então os tiramos. Isso não faz ninguém pior do que ninguém. Quem sofre não quer se mostrar sem as roupas de festa, mas a dor é maior.

A vida é uma festa para a qual nós não fomos convidados. Tudo é um grande fingimento. Sorrisos superficiais e uma alegria fingida. Há dores escondidas, mas continuemos na festa: façamos amizades, comamos e bebamos. No fim, nos restará um banco de praça e uma solidão. É preciso fazer dessa solidão um momento agradável.

Um comentário:

Sandro disse...

Olá Ricardo. Encontrei seu blog 'por acaso' (será que também sou fatalista?) procurando no google pela palavra fingimento. Interessante o seu texto. Você demonstra sinais de que está "despertando do sono", aquele sono que mantém as pessoas anestesiadas a fim de evitar a própria dor. mas se não temos como vencê-la, juntemo-nos a ela. Abracêmo-la como um remédio amargo que, por fim, curará todas as feridas. Como o soro antiofídico: o veneno da cobra é o único antídoto contra si mesmo. "Morra antes que você morra" é o princípio da vida. Mas as pessoas fogem da morte e, assim, morrem a cada dia. Seu fingimento é a máscara que as sufoca. Mas devemos ter o rosto descoberto e se o que você disse não é fingimento, pode ser o desnudar da consciência. Deixemos que a dor faça o seu papel, não como conformistas, mas, conscientes de que um dia transcenderemos. A fé em Deus não é esta palhaçada que vê por aí. É a certeza de que não há nada para "mudar", mas apenas enxergar atentamente o que Ele nos fez para ser. Afinal, não dizemos que Deus é perfeito? Então, enxerguemos em nós a perfeição, desanuviando-nos do próprio ego individualista que nos turva a visão. Grande abraço, Ricardo e sucesso...