sábado, 17 de dezembro de 2011

Lei da Palmada



Por julgar impublicável a expressão com que gostaria de iniciar este post, suprimo a palavra indelicada e começo assim mesmo: Logo chegará o dia em que o Estado ... nossas mulheres! Eis aí a expressão. Complete, o amigo leitor, como preferir. Os mais delicados usarão palavrinhas sutis ou insípidas, mas os de espírito forte e paciência curta usarão palavras mais ou menos próximas do que eu, realmente, gostaria de dizer. 

Você conhece a história de Victor Frankenstein. O médico suíço que dá vida a uma criatura monstruosa e gigantesca que, posteriormente inferniza a vida do criador até à morte. O grande problema levantado na obra é essa relação entre criador e criatura. Entre o ser humano e o monstro com peculiares sentimentos próprios.

Pois bem, se você conhece a história não será difícil traçarmos essa linha paralela entre a ficção e a vida real. Não é preciso ler Hobbes pra que entendamos que, para ele, o Estado é essa criatura a que os homens, imitando a natureza, deram uma vida artificial. Essa criatura monstruosa que desfruta de meios e mecanismos de controlar a vida dos homens entre si. 

O Estado foi crescendo, tomando força e, assustadoramente, de criatura da humanidade, vem adquirindo status quase divino. Vem se tornando um deus em prol de quem os homens devem viver. Que os papéis foram invertidos, todos podemos ver e, se não vemos é menos por cegueira do que por falta de sensibilidade moral. 

Atenhamo-nos à mais nova pérola legislativa com que nos brinda a nossa hiper-pensante classe política: A lei da Palmada.

Primeiramente vamos analisar as reais necessidade e conveniência desse dispositivo. Uma lei que puna ou "reeduque" os pais que usem da sanção física com a intenção de castigar um filho. Para usar palavras do próprio projeto, a lei prevê punição para "castigo corporal ou tratamento cruel ou degradante". Lindo, lindo, lindo! Que coisa maravilhosa! Que humanismo! Que responsabilidade social... Que merda!

Na verdade, o que é cruel? O que é degradante? A palmada? Segundo o projeto, sim. Mas, caro amigo, os conceitos são delicadamente perigosos se tomados apenas como idéias levantadas com a intenção de suscitar uma reação sentimental qualquer. Já disse Hobbes, aquele mesmo, do tal Leviatã, a quem já me referi, que não pode existir mentira nas coisas. Não. Verdadeiro e falso são atributos da linguagem e não das coisas. Dos símbolos que usamos como representação racional, e não dos objetos. Para se prescrutar, portanto, a verdade das coisas em relação umas com as outras, é preciso ter certeza de que as primeiras definições estejam corretas. É como numa equação matemática, onde, para alcançarmos o resultado correto no fim, precisamos ter certeza de que todas as continhas mais simples estejam corretas. Senão, chegaremos, certamente, a um resultado, mas não ao resultado correto. Sim, o erro também é um resultado. Assim, no decorrer da equação onde se encontra um pequeníssimo erro, vamos nos afastando cada vez mais da verdade e, onde pensamos estar adquirindo uma grande quantidade de sabedoria, estamos, na verdade, nos embrenhando na loucura.

Então, voltemos ao cruel. A palmada, segundo o projeto, é cruel. A palmada que dá no filho a quem ama, um pai que já esgotou todos os recursos racionais. Que já dialogou, que já demonstrou a relação entre causa e efeito, que já teceu uma ladainha a fim de demonstrar que os atos de hoje implicam na formação das relações e do homem de amanhã. Isso, segundo o projeto, é crueldade.

Mas direi da crueldade, segundo o meu entendimento. É isso mesmo: o meu entendimento. Não consultarei dicionários etimológicos ou de definição. Não buscarei tratados de psicologia ou fisiologia. Não é preciso. Eu já tomei atitudes e assisti a eventos, durante toda a minha vida infantil ou adulta, que me ensinaram de maneira incontestável o que é a crueldade. E entre todos os exemplos possíveis, excluo, de pronto, a palmada como algo definível como ato cruel. Nem tão pouco degradante. 

Atitudes cruéis e degradantes para com um filho são, antes, a permissividade, a negligência, a indiferença, a depreciação e o desrespeito à personalidade da criança que, embora não despertem a menor comoção, são muito mais comuns e incomparavelmente lesivos ao caráter de um ser humano que se forma.

Vejamos bem: o texto pretende sujeitar os pais "infratores" a penas socioeducativas e ao afastamento dos filhos. Mas, senhores, já existem leis bastantes que punem a violência. Já existem leis para punir a violência doméstica, já existem leis que punem a violência específica contra a criança e o adolescente, já existe previsão no Código Penal, que pune os maus tratos e o "castigo imoderado", estes sim, praticados por pessoas desequilibradas. Existe a previsão até no Código Civil, que prevê o afastamento do lar, do pai ou mãe que castigar o filho imoderadamente. Então, resta, irrespondida - embora eu não tenha certeza da existência da palavra "irrespondida" - a pergunta: qual o motivo desse projeto de lei?

Senhores, o que se pretende coibir, com o presente projeto de lei, está claro, não é a violência. Não é a crueldade. O que se pretende é tirar dos pais o último meio de, após esgotados todos os recursos de estímulo ao auto-governo, à auto-disciplina e à auto-correção, ensinar a um filho que, no fim das contas, já que ele não usou os freios internos de maneira intencional, sofrerá, como consequência, as sanções externas contra uma atitude desaprovada. É simples como dirigir um veículo. Quais as duas maneiras de parar um veículo que se dirige, desgovernado para um precipício? Um interna, com o acionamento dos freios, que é a ideal e uma externa, colocando-se um obstáculo em seu caminho. A diferença é que a primeira é uma atitude de auto-governo e não causa o menor dano. A segunda é um exemplo de diminuição de danos. Causa sim, algum dano, alguma dor, algum susto, mas impede o veículo de despencar no buraco e demonstra, ao motorista, que seria melhor, da próxima vez, usar os freios.

Amigo leitor, o nome dado à lei é sugestivo e desvenda as reais intenções do projeto. Por isso repito: Pais que amam não espancam seus filhos, assim como pais desequilibrados não dão  simples palmadas. Não estamos, então, com esse projeto, impedindo os pais violentos de espancarem seus filhos. Já existe previsão penal para isso em outras leis. Estamos, isto sim, impedindo os pais que verdadeiramente amam os filhos, de lhes aplicar sanções educativas. 

É triste assistirmos, calados, a não mais um passo, mas um grande salto ser dado pelo Estado, rumo ao desmantelo da família. O Estado, irresponsavelmente intervencionista, desautoriza os pais de boa fé, primeiro exemplo de autoridade que as crianças terão na vida.

Voltemos a falar de  violência, essa palavra que usamos, por uma falha linguística, para definir todo ato que nos cause um susto, uma dor ou uma sequela. Palavra viciada. Entretanto, nem todo ato físico nasce da violência. Nem todo susto é violento e nem toda dor causa sequela. O Estado, pra começo de conversa, é uma personalidade jurídica soberana que tem a prerrogativa do exercício legal da violência para conter e manter um povo em unidade. Ora, se todo ato, por falta de palavra que o defina melhor, considerado violento, fosse mau, exterminemos o Estado, por sua atividade policial. Por sua atividade bélica! 

O grande Leviatã, assim como a criatura do dr. Frankenstein, se reserva o direito de oprimir o criador em função de seus caprichos. O Estado, considerado por Hobbes uma "pessoa", torna-se um deus irado e obcecado por fiéis adeptos prostrados diante de si. 

Ah, e vejam que coisa interessante: eu estava assistindo a uma entrevista com uma pedagoga, esses dias, e a danada disse que a principal função dessa lei é despertar uma discussão. Levantar o problema. Ora, bolas: levantar um problema? Despertar a discussão? Precisa fazer uma lei pra isso? E mais. Ela disse que o que acontece é que o mundo está mudando mas nós não estamos aceitando as mudanças. Que nós estamos resistindo às mudanças! Olha pra você ver quanta coisa a gente é obrigado a suportar! Ô, minha senhora, mas o mundo é um troço inanimado. Estático. Como ele pode ter mudado, nos deixando atrasados no tempo? O mundo, senhora pedagoga, sem os seres humanos, é feito de coisas e, até onde se sabe, as coisas não são inteligentemente automatas a ponto de gerarem uma mudança. A ponto de evoluírem socialmente. Assim sendo, dona pedagoga, o mundo só pode mudar se a sociedade o fizer. Se existe uma resistência a essa invasão do Estado nos lares, é porque essa mudança não aconteceu. A sociedade não mudou nesse sentido. Portanto, não me venham com essa de impor mudanças pelas nossas guelas abaixo, pondo, para isso, a culpa no mundo evoluído. 

Senhores, essas ditas mudanças estão sendo impostas por uma cambada de tecnólogos vendidos e imbecis, que não têm a menor capacidade moral de compreender a vida em sociedade. Senhores tecnólogos, cretinos idiotas, vocês não são "o mundo". Só quem mudou foram vocês. Nós, por nossos princípios, vamos muito bem obrigado e não precisamos das suas mudanças.

Vejam como é raso o raciocínio da eminente pedagoga: Num determinado momento ela disse que uma criança de quatro ou cinco anos já é capaz de compreender toda essa tecnologia que nos cerca. Sabe operar um computador, um celular, um aparelho de tevê, etc. e, sendo assim, ela também é capaz de compreender o diálogo. Ora, mas que descoberta! Essa senhora é um gênio! Acaba de descobrir a roda. Mas é lógico que uma criança tem capacidade de entender o diálogo. Ninguém, minimamente responsável, prega a substituição do diálogo pela sanção física. A palmada é o último recurso, quando o diálogo e todos os outros não foram bastantes para desencorajar ou corrigir um comportamento inadequado. É a materialização da consequência indesejada de uma atitude desaprovada. E a consequência deve ser, mesmo, indesejada.

A diferença é que esses tecnólogos, entre os quais a insigne pedagoga, acreditam que, pelo simples fato de compreenderem o diálogo, as crianças já tenham maturidade e auto-controle para se comportarem de uma maneira ideal, convencidos apenas pela compreensão racional. Pois se nem nós adultos a temos! Esse bando de estúpidos não entende minimamente a sociedade em que vive! O ser humano, tecnólogos, é por natureza, recalcitrante e obstinado. Precisa aprender a se submeter às leis e normas.

A burrice geral é tão grande que ofusca a vergonha. Temos visto políticas tão idiotas, que às vezes nos perguntamos onde foi parar a vergonha dessa gente. Quer um exemplo? Sabe como chamamos o sistema prisional de menores infratores? Sistema socioeducativo! Sim senhores, sistema socioeducativo! Ora, amigo, que troca de valores é essa? Os únicos sistemas socioeducativos que eu conhecia, até pouco tempo, eram a família e a escola. Hoje não. São as cadeias. Daí a gente imagina qual é o tipo de educação que se pretende para o futuro deste país. A educação da cadeia. Da criança que compreende o diálogo mas não precisa compreender a relação entre causa e efeito naquillo que pratica. Que não precisa compreender a consequência dos seus atos.

A criança compreende sim, o diálogo, e se assim não fora, eu seira o primeiro a pedir a criminalização da palmada, pois sua eficácia reside justamente aí. Na compreensão de que aquela ação física, previamente anunciada é a consequência de uma atitude desaprovada ou efetivamente proibida. Se a criança não tivesse a capacidade de compreender o diálogo, a correção física restaria inútil, pois ela não saberia relacioná-la a sua atitude inopinada. Se a criança não tivesse a capacidade de compreender o diálogo, aí sim, a sanção física seria simplesmente um exercício que teria como finalidade única alimentar a sede de crueldade sádica que reina entre os espíritos deformados que permeiam nossa sociedade.

Senhores, eu levei muita palmada e sempre tive medo delas. Nunca me foram agradáveis. Nunca me fizeram sentir-me orgulhoso, mas é a elas e ao diálogo moral que agradeço a minha educação, se não perfeita, ao menos satisfatória. Esse pensamento independente, se não exato, ao menos responsável.

Não, amigos, o mundo não mudou. O que mudou foram os valores e os sentimentos que, se antes nos estimulavam à excelência, hoje nos prostram até a auto comiseração. Sejamos fortes e criemos, nós mesmos, nossas crianças. Nenhum monstro, Leviatã ou Frankenstein, pedagogo ou psicólogo, deputado ou bandido pode tomar a responsabilidade paterna que só pode atingir, aquele que age por amor. 

Repito: com tamanha invasão à nossa privacidade e ao nosso lar, não precisaremos, muito em breve, nos preocupar com métodos anticoncepcionais ou planejamento familiar, pois já está perto o dia em que, tomando a nossa família, o Estado ... nossas mulheres.

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