sexta-feira, 29 de julho de 2011

Eu me mato de vergonha

Eu nutro uma antipatia horrorosa por Rousseau e, entre tantos motivos destaco este: foi ele quem inventou essa maneira de escrachar a intimidade publicamente, fazendo disso um estilo literário. Foi daí que nasceu o romantismo, na literatura. Só que o que acontece é o seguinte: os caras passaram a escrever, ditados pelos sentimentos, assumindo seus amores, assumindo seus sofrimentos, sua ansiedade terrível por causa da morte, etcetera e tal. Vem daí a literatura condoreira, toda altaneira, grave e arrebatada. O que equivale a dizer: cheia de nhenhenhém.

Na verdade... na verdade eu esqueci o que eu queria dizer quando comecei essa frase. Digo o seguinte então: os escritores românticos sempre encontravam um assunto grandioso para se derramarem. A abolição da escravatura, a identidade nacional e, principalmente, as mulheres, sempre maravilhosas, pelas quais eles eram apaixonados e perto de quem não tinham coragem, sequer, de se achegarem. Mas tapeavam, falando bonito pra caramba! Falando através de poemas, né, porque os caras, com raras excessões, como no caso de Castro Alves, eram tímidos que nem uns avestruzes. Falando assim de seu drama, o trem ficava bacana. Sublimavam a paixão e a coisa parecia deixar de ser ridícula, mas quer saber mesmo? Era ridícula do mesmo jeito. Era e ainda é, mas a gente não admite.

Tem aquele poema de Fernando Pessoa, o "Poema em Linha Reta":
"Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo." 
E mais:
"Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida..."
É isso mesmo, não é? Quando a gente ouve as pessoas contando seus casos, vê claramente que só dá herói. E a gente fica se sentindo meio ET, meio retardado, porque sabemos dos nossos fracassos. Dos nossos ridículos.

Tem uns caras, por exemplo, que se acham os pegadores. Contam uns casos maravilhosos! Sabem sempre o que dizer em cada situação. São sempre encantadores, num sei quê e por aí vai. A vida dos caras é um filme romântico! Nunca tomaram um fora! Nunca disseram uma besteira! E eu... que mais fui pegado do que peguei, por pura falta de saber o que fazer! Não é que eu às vezes não saiba o que dizer. Eu NUNCA sei. Quando acerto é por acidente. Fico olhando as histórias desses caras e me vêm, imediatamente, à memória, meus mais retumbantes fracassos. Não precisa de ninguém a me jogá-los na cara. Eles se jogam sozinhos. Fico me sentindo o mosquitinho que voa ao redor do cocô do cavalo do bandido.

Eu tenho uma peculiaridade. Sofro de um inequívoco retardo mental quando estou na presença de mulheres bonitas. Me travo todo. Fico com a sensação de que tenho oito braços e não consigo controlá-los. Simplesmente não sei o que fazer com eles. Queria, nessas horas, ter oito bolsos. Mas isso dura apenas o tempo necessário à criação de uma relativa intimidade entre mim e ela, o que compreende o intervalo de, no máximo, uns dez encontros. Enquanto isso eu vou mantendo uma conversinha leve e, para dizer o mínimo, constrangedora. 

Sabe aquele cara que cumprimenta o outro que por sua vez tá cumprimentando uma pessoa atrás dele?  Aquele que embanana as palavras, confunde tudo e entende sempre o oposto do que ela quis dizer? Pois é. Sou eu. E isso acontece, invariavelmente quando eu estou tentando impressionar a mulher bonita. Eu tenho uma propensão terrível para o mal entendido. Existe uma atração tão irresistível entre mim e o ridículo, que às vezes acho que nós fomos feitos, sob encomenda, um para o outro. Tanto é assim que quando vejo uma pessoa cometendo uma gafe ou um ridículo qualquer, nesse tipo de situação, sou tentado a cobrar pelos direitos autorais. Que nem o amigo de um primo meu, que, na primeira vez que foi na casa de uma menina com quem tinha ficado, ainda meio sem jeito, foi brincar com a cachorrinha da menina, enquanto perguntava, todo "à vontade": "Ó, que bonitinho, comé que essa cachama chorra?" Percebeu, num sobressalto, a confusão com as palavras e imediatamente consertou: "Ô, quer dizer, comé que chorra essa cachama?" Coisa de um completo retardado, como se vê. 

Faz muito tempo, eu estava deixando uma ex namorada em casa -que, à época ainda não era ex, obviamente, muito antes pelo contrário: acho que era a segunda vez que a gente saía- mas eu estava deixando ela em casa, todo bonitinho e cavalheiro. Desci do carro, fui com ela até a porta, dei um beijinho e falei: "tchau." Ela foi e respondeu: "eu também." Eu fiquei pensando: "uai, eu também? Também o quê?" Só aí foi que me liguei de que ela tinha entendido "te amo"! Caramba, rapaz, que vergonha que me deu! E agora? Como é que eu me despedia (de novo) sem ser indelicado fazendo ela perceber que  tinha entendido errado? Porque se eu repetisse o "tchau", ela ia sacar e ficar morrendo de vergonha. Fiquei lá, sem saber o que fazer. Ela me abraçou toda dengosa, e eu começando a suar frio, pensando em algo pra dizer. De repente surgiu em minha mente privilegiada, a aliviadora solução. Soltei um sonoro e dramático: "Adeus"!... Pô, me ajuda aí: adeus? Você precisava ver como soou esquisito. Poxa vida. Adeus? Ninguém fala isso. Só em filme e novela mexicana. Eu poderia ter falado tanta coisa! Podia ter dito: "então falou, fia, a gente se vê" ou simplesmente "até amanhã" ou "té logo". Tanta coisa! Mas não. Eu disse adeus! Entrei no carro derrotado, com vontade de ir pra casa, entrar debaixo do cobertor e nunca mais procurar aquela menina. 

Enquanto eu ia dirigindo pra casa, continuei remoendo aquilo. Concentrado no meu ridículo "adeus" quando de repente me deu um estalo desesperador: "uai, mas se ela respondeu 'eu também' é porque achou que eu disse 'te amo'. E se ela achou que eu disse 'te amo' no segundo encontro, deve estar achando que eu sou um doido com a auto-estima abalada, pegajoso e sentimentalmente desequilibrado que, depois de falar te amo no segundo encontro ainda se despede falando adeus"! Aí pronto. Aí minha sensação de ridículo já estava quase insuportável. Eu sentia uma vergonha pavorosa de ser eu. Queria ser qualquer outra coisa. Naquele momento eu preferia ser até a cachama da menina lá, que até hoje eu nao sei comé que chorra. Mas não. Eu era eu. Vergonhosamente eu. 

Mas isso não podia ficar assim. Pensei, pensei, pensei até que, mais uma vez, encontrei uma brilhante solução para o problema. Cheguei em casa, peguei o telefone e liguei pra ela: "ó, aquela hora lá eu não disse 'te amo' não, viu. Eu disse foi tchau." A menina: "Hein? O quê? Não tô te entendendo." E eu: "não, moça, sabe aquela hora lá que você respondeu 'eu também'? Pois é. Aquela hora você pensou que eu te disse 'te amo', mas eu tinha dito tchau." Sinceramente eu não sei como é que essa menina ainda namorou comigo depois disso. Um perfeito doente mental. Você vê que tudo o que eu podia ter feito pra piorar a situação eu fiz. Caprichosamente. Não faltou nada. O telefonema foi a cereja do bolo. 

Incontáveis foram as vezes em que me apresentaram para meninas e eu fiquei parado e completamente calado ao lado delas, sem saber o que dizer nem o que fazer. Nem sobre o tempo eu perguntava. Podia ter feito como um amigo do meu irmão, que também sofria dessa timidez tacanha que me ataca. Ele foi apresentado pra uma menina e ficou lá, paradão, esfregando o próprio braço e olhando pra cima e para o lados procurando uma saída praquela situação. Se lembrou de uma vez que foi ao zoológico e achou que seria um assunto interessante. Virou-se pra menina e perguntou: "Cê já viu uma onça?" Ela: "Não, nunca". E ele triunfante: "O dia que você ver uma você vai cagar de medo". Pronto. Só isso. Fim de papo. Voltou a esfregar o braço e a fazer cara de "quê que eu tô fazendo aqui?".

Mas isso é normal. Acontece com todo mundo. É bem verdade que com uns mais do que com outros e comigo mais do que com todos, mas não vou ficar aqui escancarando as minhas derrotas. Eu também já disse alguma vez a coisa certa no momento oportuno e contaria aqui se acaso me lembrasse. Fica, então, para outro post. Ou outra vida, quem sabe. Apenas quero deixar claro aqui que, às vezes, o que pode parecer um grave sintoma de debilidade mental de minha parte, não passa de debilidade mental mesmo. Mas uma debilidade causada pelo estupor que só mesmo uma mulher tem a capacidade de causar em pessoas tão infantilmente impressionáveis e sinceramente apaixonáveis. 

Vou seguir com as minhas inseparáveis reações ridículas -ou faltas completas de reação-, guardadas com todo o carinho, como a única prova possível da sinceridade do meu infinito assombro diante da mais linda criação divina. Ah, as mulheres!

3 comentários:

Paula disse...

Ricardo, eu queria te dizer um monte de coisa bonitinha, e que esse não é vc, mas né. Isso É vc hhahahahahahahaha morri de rir de vc todo, nessas situações que claramente te vejo. "...Tanto é assim que quando vejo uma pessoa cometendo uma gafe ou um ridículo qualquer, nesse tipo de situação, sou tentado a cobrar pelos direitos autorais." mas calma, a tendencia é so piorar. e pra que nenhum mal entendido seja criado, ADEUS! kkkkkkkkkk

nathi disse...

hahaha finalmente um post leve nesse blog. Adorei.

Isso sem contar quando você bebe e vira viado, né? kkkkkkk
Ou então quando deixa mulher feia te pegar e ainda tem a audácia de falar que era bonita hahaha.
Mas é esse seu jeito retardado intelectual de ser que deixa as menininhas "awwwwwwww, que fofo". Porque ainda não te conhecem! kkkkk Depois que pega intimidade a gente se pergunta "comé que esse cara consegue pegar alguém???" hihihi

Brincadeira, viu? haahahaha (ou não).

Beijo Ricarda!

Lorena Miranda disse...

heuehueheu... Vc tem q conhecer uma surda! Daí vc num vai errar na hora de dar "tchau"!
Agora eu já sei o q eu falo com Rafa na despedida pra ele num confundir, hehehe...
Inté cunha