sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Existe um país escondido dentro do Brasil


Quando eu era criança, se apanhasse na escola e viesse chorando pra casa, apanhava de novo de meu pai. Eu tinha que aprender a resolver meus próprios problemas. Quando comecei a receber mesada, não era pra gastar com doces, brinquedos ou fosse lá o quê. Era pra aprender a administrar o que era meu. Se eu chamasse meus pais para resolver qualquer problema cuja solução estivesse ao meu alcance, eles talvez me ajudariam, mas nunca o resolveriam pra mim.

Ah, meus pais sabiam das coisas. Hoje ninguém mais sabe. E por isso o Brasil, hoje, é um país retardado.

Não acredito que haja um regime político mais justo que a democracia. Nem por isso morro de amores por ela. Por quê? Por causa do brasileiro retardado. E como eu tenho vergonha disso. Tenho vergonha de precisar ter vergonha do meu próprio povo. Tá certo: ninguém é melhor do que ninguém, mas... cá pra nós: tem umas pessoas que são piores do que as outras. Mais burras e idiotas.

Aí me vêm (como é que ficou isso depois da reforma ortográfica?) a "nata" da intelectualidade brasileira, os políticos e outros sem o que fazer e me inventam uma tal de Lei da Ficha Limpa. Só pode ser brincadeira. Tinha uma comunidade no orkut, cujo título era: "Espirrou... vira comunidade." No Brasil é assim com as leis. Peidou... vira lei. É impressionante. Acontece um fato qualquer hoje, amanhã o sujeito pode pesquisar na internet que já tem um projeto de lei pra regulamentar o assunto. É assim mesmo. O brasileiro é meio filhinho do papai Brasil. Que nem o menino que apanha do irmão e vai contar pro pai, pedindo providência. Por isso, é comum ver namoradas indo à Delegacia de Polícia pedir providências contra o namorado porque ele a trai. Outras pessoas, vão pra reclamar que o cachorro da vizinha matou sua galinha e por aí vai. É tão extensa quanto ridícula a lista de ingerência da vida particular do brasileiro. Ninguém tem responsablilidade pra resolver seus próprios problemas.

Mas voltemos à Lei de Ficha Limpa: Em resumo, ela impede que pessoas com ficha criminal manchada concorram a cargos eletivos. Tá. Bonito, isso. Muito bacana. Mas eu pergunto: por quê? O brasileiro precisa ser defendido dele mesmo pelas leis? A que absurdo nós chegamos! Que idiotice é essa? Isso é simplificar demais. Isso é demagogia barata e estúpida. É só a gente parar pra pensar um pouco que vai entender o quanto a gente é manipulado.

O Brasil é um país democrático. Os cargos executivos e legislativos são representativos. A gente elege uma pessoa que considera nosso representante. Pois bem. Agora eu pergunto: quem é que representa o brasileiro? Quem tem representado o brasileiro desde o fim da ditadura? Quem a mídia escolher. Claro. Por isso é que eu digo que o brasileiro me faz ter, às vezes, raiva da democracia. Onde é que já se viu dizer que um cara como Collor representa o brasileiro? Em quê ele era ao menos parecido com o brasileiro? E Fernando Henrique? Ele é inteligente. Começa por aí: em quê isso representa o brasileiro? Não representa. Vamos deixar de bobagem. Parar com essa balela de que a nossa democracia é representativa. E olha lá que talvez não seja nem mesmo democracia.

Não estou exagerando. Olha o caso de Tiririca: Foi eleito o deputado federal mais votado nessas eleições. Pois o cara, depois de ter feito sua campanha, ter dito e feito poucas e boas, depois de encarar o pleito e sair de lá nos braços do povo, começa a incomodar os bundas quadradas filhinhos da mamãe, promotores, juizes, ministros, que cresceram dentro de um apartamento tomando yakult e estudando francês e não fazem a menor idéia de onde fica o Brasil. E fica pertinho: do lado de fora do condomínio deles. Mas é um lugar muito perigoso. Eles cresceram protegidos da selva urbana que é este país.

Pois sim: eles se indignaram com a eleição de um plebeu tão autêntico. Não, esse cara não cabe no congresso. O congresso não é lugar de palhaço. E não quero fazer trocadilhos manjados não. Tô falando da profissão de Tiririca mesmo. E cá pra nós, se não é lugar de palhaço, também não é lugar de garçom, não é lugar de gari, não é lugar de trabalhador. Ah, mas não é só isso: parece que ele é analfabeto. O congresso não é lugar de analfabeto. E por extensão, então, podemos dizer: o congresso não é lugar de brasileiro. Do brasileiro de verdade. Não. Esse que discuta política no botequim da esquina.

A melhor coisa que aconteceu nos últimos dias foi a eleição de Tiririca. Ridicularizou os janotinhas de Brasília e, no meu entender, elevou em muito a moral da política brasileira. Sim, a política brasileira precisa amadurecer. O Brasil precisa realizar a revolução democrática: votar em quem realmente represente o povo. Se Tiririca é analfabeto e incompetente, ele precisa mostrar para o Brasil inteiro, o que esse mesmo Brasil fez dele. Precisa patentear a vergonhosa situação de um povo inteiro. Pelo menos, sua incompetência será compreensível, ele não teve oportunidade alguma. O que dizer, no entanto, de tantos outros políticos profissionais por aí? Não é nem preciso citar nomes ou fatos.

Acabei largando de lado o assunto que me fez começar a escrever este post: a Lei de Ficha Limpa. Voltemos a ela.

Vou começar dizendo que criminoso precisa ser punido com as penas previstas no Código Penal Brasileiro. E mais: o Código Penal não proíbe ninguém de cometer crimes. Ele é um cardápio com opções de crimes e preços a serem pagos por eles. Por exemplo: Art. 121 - Matar alguém. Pena de tantos anos, assim e assim... Lá não diz que o brasileiro é proibido de matar. Lá oferece a oportunidade de matar alguém pelo preço módico de no máximo trinta anos de cadeia. Poxa vida, o cara escolheu uma das opções. Fez uma escolha. E deve pagar por ela. E o país precisa cobrar. É isso e acabou.

Agora, dizer que quem tem a ficha suja não pode se eleger a cargo político é uma baboseira sem tamanho. Seria bastante que se apresentasse ao eleitor, a ficha criminal do candidato. O eleitor que tome sua decisão. O eleitor é maior de idade, responsável por sua vida e por seu voto. Ora, isso aqui é uma democracia. Se eu quiser eleger Fernandinho Beira Mar para presidente, eu quero ter esse direito. Só tendo essa opção, o brasileiro poderá realmente entender qual é a sua cara. O brasileiro precisa sentir o peso da responsabilidade de poder votar num canalha e, não o fazendo, mostrar seu valor.

Numa cidadezinha onde eu trabalhei, tinha um candidato a vereador. Eu o conhecia muito bem e sabia que ele não era pessoa indicada a ocupar um cargo eletivo. Um dia ele veio até mim para pedir o meu voto. Eu respondi, em tom de brincadeira, mas querendo deixar o recado: "Não posso porque eu voto na minha cidade natal. Mas sinceramente, eu tenho vontade de transferir o meu Título de Eleitor para esta comarca só pra ter o prazer de NÃO votar em você". Ah, é isso que o brasileiro precisa fazer. Ele precisa ter o direito de votar em qualquer tipo de vagabundo e, tendo esse direito, exercer o direito de não fazê-lo. Só assim o brasileiro vai ter noção da importância da sua responsabilidade no cenário político.

Desde pequeno, ainda cursando o primeiro grau, eu ouvia dizer que o Brasil é o país do futuro. E tenho vivido a consciência real de que nós não somos mesmo o Brasil. Nós somos um pré-Brasil. Um país que ainda não aconteceu. O Brasil ainda precisa ser feito. Precisa ser construído. E, sinceramente, o Brasil a ser construído, é o Brasil de Tiririca. O Brasil da varredeira de rua, dos lavradores. Esse é o Brasil que deve funcionar. Um país onde o cara que quiser ser palhaço o será com orgulho e dignidade. E não precisará tirar leite de pedra, mostrando o sofrimento nordestino através de uma ótica de sobrevivente que se resignou através do esculacho e da ridicularização do absurdo em que viveu. Um país onde o cara que quiser ser palhaço, seja alfabetizado. Um país onde o palhaço possa ser eleito Deputado Federal sem suscitar os trocadilhos e piadinhas mais lugares-comuns que, não obstante, são a única coisa realmente séria que se pode dizer da política deste país.

Sim, existe um país escondido dentro do Brasil. Vamos descobri-lo.

2 comentários:

nathi disse...

Ótimo texto, como sempre.

Deve ser a milionésima vez que eu tento escrever um comentário nesse post, mas eu sempre acabo apagando tudo e fechando a janela. Tô começando a achar que sou brasileira retardada também. hahahaha

Pra começar, na minha cabeça Lei Ficha Limpa proibia candidatos que cometeram somente crimes eleitorais. Aí eu fui procurar saber e vi a lista de crimes "proibidos" e tinha lá tráfico de entorpecentes, homicídio, crimes contra os costumes e bla bla bla. Na verdade, eu não me importo. Podem me chamar de alienada ou o que for, eu simplesmente não me importo. Sou daquele tipo ignorante que acha que todo político é igual, e que tanto faz quem tá no poder, tudo a mesma merda. Se voto fosse facultativo eu não votava.

Enfim, eu nem consigo me estender muito nesse assunto porque eu sou do time que política eu não dicuto porque eu não tenho o que discutir. Me dá preguiça.

Lorena Miranda disse...

Ricardo, vou votar em vc um dia!

Ficha Limpa pra mim tem caráter inconstitucional, onde é q fica a parte q todos são iguais perante a lei? É tratar de forma desigual o "igual". Se o sujeito foi julgado e condenado da forma q a norma deternima pq esperar 8 anos? (Deveria ser imediata). Sendo assim, deve-se estender esse prazo a todos os cidadãos q optam por cometer algum crime...

É não constituir-se como Estado Democrático de Direito, tirando a oportunidade do cidadão se redimir perante a sociedade( de q valeu a punição?, ou msm a do brasileiro continuar fazendo burrada...
Essa lei foi mal feita, aliás, nem deveria ter sido feita. E de pensar q foi por iniciativa popular é mais revoltante ainda!

Pode tb ser meu tema de monografia... heuheuheu
Bjo!