terça-feira, 10 de março de 2009

Os soldados americanos eram jovens com uma vida inteira pela frente




Um dia desses eu li, não sei se numa revista ou num jornal, a respeito das guerras empreendidas pelos Estados Unidos nos últimos anos. Informava, o artigo, o número de iraquianos, afegãos, civis inocentes e soldados americanos mortos nas guerras. E dizia dos soldados: “eram jovens que tinham uma vida inteira pela frente”. Isso, especialmente, me impressionou.


Agora me lembro. Era uma matéria de jornal e o autor do artigo era um estudante de Direito. Todo estudante de direito tem, em si, a responsabilidade de resolver os problemas transcendentes do mundo. De jogar na cara do garçon, que ele, cliente, não é obrigado a pagar os dez por cento e que o atendimento foi péssimo. De dar uma opinião “abalizada” sobre todo e qualquer assunto, ainda que nunca tenha ouvido falar a respeito. Sei disso. Fui estudante de Direito durante muito tempo.


Mas dizia eu do artigo: “Os soldados americanos mortos nas guerras eram jovens com uma vida inteira pela frente”. Isso me comoveu, mas não como seria a intenção do nosso futuro jurista. Não que eu não goste de soldados americanos, ou de afegãos ou de civis inocentes. Não tenho nada contra e até concordo com praticamente tudo o que o artigo dizia. O que me comoveu, na verdade, foi a nossa hipocrisia. A nossa ridícula e insensível hipocrisia.


Conforme as palavras acaloradas do articulista, ele se sentia impotente, por não poder se intrometer no cenário mundial, arregaçar as mangas e resolver, de uma vez por todas, os problemas internacionais. Lamentava não poder colocar as mãos à obra e fazer alguma coisa para reverter o deplorável quadro da estupidez humana.


É tocante ver como as pessoas se comovem com questões tão sublimes e superiores! Mas eu pergunto: será que o autor do referido artigo já foi a uma favela? Será que ele já entrou na casa de uma pessoa pobre? De um produtor rural do Vale do Jequitinhonha? Será que ele sabe quantas pessoas estão vivendo na mais pura e completa miséria, no Brasil? Será que ele sabe quantas crianças morrem de fome todos os anos neste país?


Sim, eu falo de crianças! Não são como os jovens soldados americanos. São crianças, que apesar de tudo querem é correr, brincar e sorrir. Não. O estudante de Direito não sabe. Não sabe porque elas não são como os jovens soldados americanos, que têm uma vida inteira pela frente. Elas são crianças brasileiras que não têm nem nunca tiveram uma vida pela frente. Uma vida, cuja perda valesse a pena ser lamentada num artigo de jornal.


Meu amigo, por quê você, nobre estudante de Direito, ao invés de sonhar em arregaçar as mangas e lutar a guerra dos outros, não arregaça mesmo as mangas e luta a sua guerra? A guerra do seu povo! A pobreza e a indignidade também matam, meu amigo. Por quê, ao invés de se negar a pagar dez por cento ao garçon, você não o ajuda a resolver o problema da fome de seus filhos pelo menos por um dia? Ou ao menos se compadeça dele que, como o iraquiano morto e o soldado americano, também é filho de Deus.


Não me venha falar de Iraque. Não me fale de Estados Unidos. Fale-me do Pindorama. Fale-me do Vale do Jequitinhonha!


Sim, meu amigo, se você não quer se envolver nesse problema, que isso não te diz respeito, ao menos chore pela criança brasileira, que está por aí, nas ruas e que você vê todo dia no centro da cidade.


Eu compreendo que você não chore pela fome que destrói, aos poucos, seu país. A guerra é mais nobre. Tem um apelo dramático. A guerra é romântica. A fome não. A fome é feia. Tem a cara suja e os olhos fundos!


Por isso, meu caro estudante de Direito, não me venha, tão solene e distante, lamentar os problemas do mundo. O mundo, meu amigo, fica mais perto do que você imagina.

2 comentários:

Mariana Botelho disse...

só pra variar, eu adorei.

Natália disse...

É... amanhã ainda não será outro dia, e eu ainda serei a msm. hunf